Fonte: Correio da Bahia - Por Maysa Polcri
Tradição do cultivo resiste diante dos desafios, dizem produtores
Produção de dendê na Bahia caiu 83% de 2010 para 2021 Crédito: Ronaldo Rosa/Embrapa
Houve um tempo em que a produção de azeite de dendê em Camamu, no sul da Bahia, abastecia as maiores cidades do interior do estado. As negociações eram feitas no porto do município, aos sábados, sempre nas primeiras horas da manhã. Quem chegasse às 7h, corria o risco de não encontrar sequer um litro do elixir da culinária baiana. Porém, a tradição do cultivo tem perdido força na Costa do Dendê, o que aumenta os preços nas feiras. Em setembro, a expectativa é que o azeite fique até 60% mais caro.
A alta de preços já é comum neste mês: é quando a procura aumenta e a produção artesanal dos agricultores da região não consegue acompanhar. O encarecimento do azeite de dendê deve ser exceção neste setembro, quando a maioria dos produtos já está mais barata, em comparação com o ano passado. O litro do azeite pode saltar de R$25 para R$40, segundo produtores baianos.
André Souza é professor da Universidade Estadual do Sudoeste Da Bahia (Uesb) e produtor de azeite de dendê de Camamu. Para ele, que pesquisa o tema, a redução da oferta no baixo sul baiano é explicada pela falta de incentivos financeiros e dificuldades na produção. Quem se arrisca a colher as sementes dos dendezeiros pode subir cerca de 15 metros no topo das palmeiras originárias do continente africano.
Durante a pandemia, em agosto de 2020, uma série de reportagens produzidas pelo CORREIO já alertava para a escassez do azeite de dendê na Bahia. Apesar de receber o título de “terra do dendê”, o estado corresponde a apenas 2% da oferta nacional. Em 2020, as 15 cidades que mais produziram azeite de dendê foram do Pará, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O município Tailândia foi o maior produtor, com 942 mil toneladas.
Em setembro, o litro do azeite chega a custar R$40 no sul da Bahia Crédito: Reprodução
O professor e produtor de azeite de dendê André Souza analisa que a produção na Bahia começou a decair a partir de 2010. Desde então, produtores locais migraram para o cultivo de produtos como banana-da-terra e cacau. “O problema está ligado às questões de financiamento do manejo e produtividade. A produção é muito difícil e as pessoas têm migrado para outros cultivos que dão resultado mais rápido”, explica.
Em 2022, a Bahia produziu 40,1 mil toneladas de dendê, enquanto que o Pará foi responsável pela produção de 2,9 milhões de toneladas, de acordo com dados da Produção Agrícola Municipal (PAM) do IBGE. Os dados são os mais recentes divulgados pelo órgão.
O engenheiro agrônomo Assis Pinheiro, diretor da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Irrigação, Pesca e Aquicultura da Bahia (Seagri), avalia que há diferenças entre os azeites da Bahia e do Pará. “As baianas do acarajé têm se queixado da qualidade do produto importado e a produção local tem enfrentado dificuldades”, pontua. Para estudar as condições do cultivo, a Seagri possui a Câmara Setorial do Dendê.
A escassez do ingrediente fica ainda mais evidente em setembro, quando o azeite é mais procurado para as receitas típicas. Adeilson Aramdiba é dono de uma fábrica artesanal de azeite de dendê em Camamu. A equipe de seis pessoas produz até 400 litros do produto por dia. “Na semana do caruru, tende a aumentar o preço porque a demanda dobra. O litro chega a custar R$40, sendo que normalmente vendemos por R$25”, diz. Adeilson aprendeu a cultivar dendê com os avós e avalia o esquecimento da tradição com o passar dos anos. “Os próprios agricultores têm migrado para culturas mais lucrativas”, lamenta.