Quantia de R$ 500 mil. Esse é o valor da indenização a ser paga a uma mulher de 50 anos mantida em condição de escrava por 44 anos em Porto Seguro, no extremo sul da Bahia. Ela trabalhava como empregada doméstica desde a infância na casa de uma família da cidade.
A indenização foi assegurada em acordo firmado com a família da patroa pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e a pela advogada da vítima. O valor terá que ser quitado até fevereiro de 2025, prazo limite para a venda de dois imóveis que pertenciam à empregadora, sob pena de multa de 50% desse valor.
Aos 6 anos, ela chegou à casa de Heny Peluso Loureiro, falecida no ano passado, e seus filhos Joaquim Neri Neto e Maiza Loureiro Nery Santos, para trabalhar como doméstica na casa e em uma fazenda da família. Ela não estudou, não fez amizades, nem teve relacionamento amoroso. Ela não recebia pagamento em dinheiro pelo serviço, somente “casa” e comida.
A mulher não tinha nem sequer uma certidão de nascimento. Segundo o MPT, o documento foi obtido pela patroa muitos anos depois e com informações de filiação inverídicas. Como não há qualquer informação sobre sua origem e registros de que não falava português, suspeita-se que a trabalhadora tenha origem no continente africano.
Após a morte da patroa, passou a viver com o filho de sua primeira empregadora. Ele tentou cadastrar a doméstica para receber benefícios sociais e a situação chamou a atenção da assistência social. A equipe do Centro de Referência em Assistência Social (Creas) decidiu visitar a casa de Maria para encaminhar o pedido de inclusão no CADÚnico.
Trabalhando para o filho da ex-patroa, sofreu maus-tratos e decidiu procurar ajuda. O amparo veio primeiro por uma amiga da vizinhança, depois por uma advogada que resolveu se envolver na situação e buscar órgãos públicos e depois pelo Creas e pelo MPT.
De acordo com o MPT, hoje, a mulher está empregada com carteira assinada e vivendo num imóvel alugado. Estuda à noite para finalmente se alfabetizar e vive seu primeiro relacionamento amoroso.
Com o acordo firmado no mês passado e já homologado pela Justiça do Trabalho, ela vai receber indenização de R$500 mil, que deve ser quitada até fevereiro. O valor será obtido com a venda pelos dois herdeiros da empregadora de uma casa e uma fazenda. Até o prazo dado no acordo para a conclusão da venda, os dois filhos da ex-patroa estão mantendo o pagamento de um salário mínimo mensal.
“Esse é um daqueles casos em que a gente vê tudo o que não poderia existir numa relação de trabalho. E apesar de entendermos que nenhum valor poderia pagar o que essa senhora passou, conseguimos fazer um acordo que permitirá a ela uma oportunidade de construir uma vida digna”, afirmou a procuradora do MPT Camilla Mello, autora da ação e que acompanha o caso até hoje, mesmo após sair da unidade do MPT de Eunápolis, onde a ação segue agora sob a responsabilidade do procurador Ricardo Freaza. Foi ele quem assinou o acordo junto com a advogada da vítima, Marta de Barros, que também moveu ação individual. O acordo quita tanto a ação individual quanto a ação civil pública do MPT.
O MPT abriu inquérito para apurar a situação. Depois da investigação e de tentativas frustradas de acordo extrajudicial, foi necessário ingressar com uma ação civil pública. Em paralelo, a advogada da vítima ingressou com um processo na Justiça do Trabalho cobrando o pagamento das verbas trabalhistas.
No acordo assinado por todos e já homologado pela Justiça do Trabalho, onde a ação corria, os empregadores não reconhecem culpa, mas se comprometem a pagar a indenização por danos morais e a regularizar a carteira de trabalho da doméstica.