Por Luciano Trindade | Folhapress
Torcida hostil, reclamação de jogador, gritos dos técnicos. Nem sendo padre Gabriel Balan Leme, 31, escapa de provocações quando troca a batina pelo uniforme de árbitro. "Acaba logo, padre, tá na hora da missa", ele já ouviu de torcedores que queriam desestabilizá-lo em um jogo.
O sacerdote não se abala, mas admite incômodo. "Enquanto árbitro, eu estou ali para apitar o jogo. Sinais religiosos são muito caros e valiosos e, às vezes, ouvir coisas como essas, de certa forma, nos chateiam", contou à reportagem.
A arbitragem entrou em sua vida justamente para acalmar os ânimos das pessoas. Durante seus dias de folga na igreja, geralmente, às segundas-feiras, ele costumava jogar futebol com seus amigos. Como seu time tinha quatro goleiros, ele se revezavam nas partidas.
"Quando era substituído, ficava só observando. Mesmo entre amigos, sempre tinha discussões e brigas. Quando se coloca rivalidade já tem uma oportunidade de conflito. Foi aí que eu decidi apitar as partidas. No começo, falei isso de uma maneira despretensiosa, mas, assim que eu comecei, foi paixão à primeira vista", lembrou.
Foi também a forma que ele encontrou para manter sua conexão com a igreja sem deixar de lado o gosto pelo futebol. "Como jogador eu sei que não daria para conciliar com a igreja, que é minha maior vocação. Então, com a arbitragem, eu encontrei uma forma de associar uma coisa a outra."
Assim como sua jornada para se tornar padre, com oito anos de estudos, período no qual ele se formou em filosofia e teologia, a trajetória no futebol também foi gradualmente estabelecida. Começou apitando jogos em uma escolinha de futebol de Ribeirão Preto, depois em campeonatos amadores até buscar uma formação mais profissional.
"Em 2023, eu comecei a fazer o curso da Federação Paulista de Futebol. No ano passado, eu me formei. E esse ano é o meu primeiro com atuação nos campeonatos de base promovidos pela federação", contou o árbitro, que já atuou em jogos das categorias do sub-11 ao sub-20.
Embora tenha a ambição de apitar partidas dos profissionais, o líder da Comunidade Eclesial Missionária Nossa Senhora Desatadora dos Nós, onde foi ordenado em 2018, definiu que sua prioridade será a missão religiosa. "No quadro da federação, eles sabem disso. Tanto que, algumas vezes, precisei pedir dispensa em função das atividades da igreja. Enquanto uma coisa não atrapalhar a outra, eu tenho essa liberdade."
Mesmo que um dia não consiga manter as duas funções, o padre não pretende se distanciar da prática de esportes. Se a igreja mudou sua vida espiritualmente, o futebol transformou sua saúde física. Durante seu período no seminário, que ele conta ter vivido de uma forma "muito intensa", o sacerdote desenvolveu um quadro de obesidade. "Quando você está recluso, acaba comendo e ingerindo muito líquido. Naturalmente, acaba ganhando peso também."
No período, ele chegou a ganhar 20 kg, mas conseguiu reverter o sinal da balança ao se dedicar à prática esportiva. "Na atuação como árbitro, é fundamental manter esse equilíbrio na saúde. Isso foi determinante para que eu saísse desse quadro para chegar em um nível minimamente aceitável para estar em campo".
Dentro das quatro linhas, sua motivação para se manter em forma é constantemente renovada. "Eu gosto dessa adrenalina, da responsabilidade de ser um árbitro", afirmou.
Também lhe deixa satisfeito conseguir criar uma conexão entre a religião e o futebol. "Levar para o campo de futebol a minha prática religiosa é nada mais, nada menos do que levar a minha própria experiência de fé. Lá, eu encontro com jovens que talvez tenham religiões diferentes, mas, assim como na igreja, também há uma preocupação em educar esses jovens. A categoria de base é também um celeiro educacional."