Receber o título de 'Música do Carnaval' se tornou desejo de muitos artistas que desfilam nos circuitos da folia durante os seis dias de festa na capital baiana. Desde os mais novos, que entendem como uma forma de dar o pontapé na carreira e se inserir de vez no mercado, aos veteranos que pensam no troféu como um reconhecimento de uma longa trajetória na música.
Há quem diga que não se importe com o rótulo mesmo disputando o troféu e fazendo campanha por ele, mas uma coisa é certa, na quarta-feira de cinzas, os foliões estão em busca do resultado da enquete: qual é a música do Carnaval.
Para o cantor, compositor e capoeirista Tonho Matéria, de 59 anos, a escolha do hit da folia é feita de forma errônea. Responsável por grandes sucessos do Carnaval como 'Menina Me Dá Seu Amor',' Se Me Chamar Eu Vou', 'Dia dos Namorados', o artista acredita que a análise deveria ser feita pelo que toca nas ruas durante os dias de festa e não o que precede os seis dias de folia.
"A competição, para mim, é com aquilo que não toca no rádio. Hoje, precisa tocar no rádio para ser música do Carnaval. Mas eu entendo que a música do Carnaval precisa ser daquilo que é extraído de cima dos trios. O pessoal faz sua síntese, suas análises, a memorização dos refrãos e aquilo que é mais tocado é a música do Carnaval", afirma.
Em entrevista ao Bahia Notícias, Tonho explicou a tese. Segundo o artista, foi durante a folia que o público elegeu grandes hinos da festa que acabaram ganhando as rádios de todo o Brasil. Para o músico, a forma de escolher o hit da folia atualmente chega a ser desmotivador para quem compõe.
"Se fosse dessa forma, a gente teria muitas boas produções. Porque como é que eu vou fazer uma música do Carnaval pensando no Carnaval se eu já sei que a música de fulano de tal já está recebendo investimento? Não me dá tesão de escrever uma música do Carnaval. Eu acho que a música precisa ser extraída da festa, com o folião pipoca sem conhecer a música. Assim foi 'Avisa Lá', assim foi 'Requebra', assim foi 'Faraó', assim foi com 'Desejo Egotismo', foi com 'Baianidade Nagô', a música do Carnaval é aquela que sai do Carnaval".
Foto: Bianca Andrade/ Bahia Notícias
Sem participar da disputa para o título de música do carnaval em 2024, o artista irá desfilar no Furdunço no dia 4 de fevereiro, e também vai levar o Bloco da Capoeira para os circuitos oficiais da festa pelo 16º ano. Neste ano, o bloco, que durante a folia emprega 650 pessoas, levará para a avenida o início de tudo através do tema "Nas asas das tecnologias africanas". A ideia do artista é informar para a nova geração a participação de figuras negras em grandes feitos da humanidade.
"A gente vai estar contando a história dos grandes criadores negros tanto em África como nas diásporas. Aqui no Brasil nós temos o Ilê Aiyê, Vovô e Apolônio que são os criadores dos blocos afro, temos Neguinho do Samba que é criador do samba reggae, nós temos Nelson Maleiro que foi criador dos tambores que todo mundo toca aí. Vamos estar reverenciando esses criadores em um projeto que vai ser muito lindo. Temos uma cartela de cores baseada no neon para acender a cidade com uma consciência de mostrar quem criou primeiro. Vamos mexer com a consciência dos jovens para eles entenderem que eles podem", conta o artista.
O capoeirista entende que, além da curtição, há espaço para aprendizado e reflexão durante o Carnaval. "As pessoas precisam entender que dentro da folia também é lugar de estudo. Não é só pular o Carnaval, tem espaço para pesquisar, analisar, entender o que você está cantando e levando para o público que irá ficar para o dia a dia e que tem potencial de transformar comunidades".
Contemplado pelo edital Ouro Negro, que neste ano assiste 132 entidades com o apoio financeiro às entidades de matrizes africanas como blocos afro, afoxés, samba, reggae e blocos de índio, para a realização dos seus desfiles durante a folia, Tonho celebra o fato dos blocos afro serem os homenageados tanto pelo Governo quanto pela Prefeitura em 2024, em especial o Ilê Aiyê que completa meio século de história e resistência.
Foto: Teo Akuma/ Instagram
"Tem uma frase de Buziga que ele fala que a evolução da raça pode abalar o mundo. O que o Ilê provocou durante esse período de existência é nada mais nada menos que dialogar com o Estado brasileiro, com o município, com a Bahia, que bloco afro é o que mais se aproxima da comunidade e quem mais transforma. É daqui que saem grandes profissionais, músicos, engenheiros, médicos, advogados. Então é de grande importância que o estado e o município isso, para proporcionar que o afro salve mais vidas e que as nossas comunidades não fiquem sangrando".