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Cantor Roberto Carlos vai lançar uma autobiografia
Música
Publicado em 19/04/2021

E será ele mesmo, Roberto Carlos, o autor de um dos próximos livros sobre Roberto Carlos. Ou seja, uma autobiografia, conforme o projeto vem sendo desenhado. Depois de se opor judicialmente a livros que o tiveram no centro, como Roberto Carlos em Detalhes, lançado por Paulo Cesar de Araújo, em 2006, ou nas bordas, como Jovem Guarda: Moda, Música e Juventude, uma abordagem sobre a moda da época, feito por Maíra Zimmermann, de 2013, Roberto terá suas memórias organizadas em um livro a partir de 2022. As passagens ditadas por ele já foram gravadas e só falta definir a pessoa que fará com que os áudios sejam convertidos em texto. A novelista da Globo Glória Perez conversou com Roberto e se tornou um nome provável para assumir o projeto.

Os áudios foram gravados, originalmente, para uma outra empreitada também biográfica. Um filme que contará a vida de Roberto começará a ser rodado, com a segurança sanitária devida, no início de 2022. Foi para a criação do roteiro, do qual participou Nelson Motta, que as lembranças foram registradas, as mesmas que serão usadas para o livro. A direção do filme será de Breno Silveira, autor de Dois Filhos de Francisco, a cinebiografia brasileira mais vista na história, de 2005, com mais de 5 milhões de espectadores. A de Roberto, se conduzida com a mesma habilidade que Breno mostra em seus filmes e séries para lidar com as costuras da “ficção biográfica”, licenças poéticas que não violentam os fatos, tem argumento e alcance para ir além da história do pai de Zezé Di Camargo & Luciano. “Há uma frase, acho que de Woody Allen, de que gosto muito: ‘A vida não faz sentido, mas o roteiro tem de fazer’. Se não trair o espírito do seu personagem, de seu herói, se não inventar nada que não abale as verdades, é importante usar as licenças em um filme para criarmos a dramaturgia”, diz Breno, não especificamente sobre o filme de Roberto, mas sobre cinebiografias de maneira geral.

O filme e o livro de Roberto podem fazer reparações que o cantor considerar necessárias. “Ele não tem nada contra contar o acidente na linha de trem que o fez perder a perna, mas quer que isso seja contado de forma verdadeira”, diz uma das raras fontes em contato com Roberto mesmo durante a pandemia. Roberto, então, deve trazer esse assunto à tona. Sobre o amigo das origens de carreira, Tim Maia, também houve polêmicas, mas nada garante que elas serão trazidas de volta. O filme sobre Tim, de 2014, dirigido por Mauro Lima, mostrou Roberto humilhando o colega quando Tim ainda não era conhecido. A Globo fez um minidoc para dar a versão do cantor. Não houve humilhação, segundo alguns depoimentos.

A relação da crítica musical com Roberto, e não há vice-versa nesse caso, acaba de ser estudada no ótimo livro Querem Acabar Comigo, de Tito Guedes (leia mais abaixo). Mesmo não aprofundando assuntos que valeriam mergulhos maiores, Tito abre discussões e insights muito curiosos sobre o tratamento dispensado a Roberto durante o correr das décadas. Jornalistas começaram e terminaram suas carreiras falando de Roberto, e Roberto ficou. Ele foi chamado de cafona e alienado em meados dos anos 1960, quando uma ação de publicidade da TV Record polarizou a MPB e a Jovem Guarda de forma a atrair espectadores para os programas que exibia representando esses dois movimentos; fez uma conversão bem sucedida do iê-iê-iê para o romantismo dos 60 para os 70; voltou a ser duramente atacado pela imprensa nos anos 80, que o chamava agora de brega e repetitivo, e seguiu pelos 90 sem mudar um microtom daquilo que queria cantar. “Se eu tivesse 18 ou 19 anos, faria a mesma música que faço hoje”, disse na última terça (13), em entrevista aos jornais.

A crítica, então, entra em discussão a partir da análise de Tito, que expõe o quanto pode haver de preconceito e sectarismo social no conteúdo de alguns analistas de redação que afastavam a chamada “música de empregada” daquilo que consideravam “boa música”. Por que, afinal, Maria Bethânia faz Roberto Carlos ser aceito ao dedicar um CD à sua obra e Waldick Soriano, ao fazer o mesmo, não? Tito não vai tão fundo, mas faz pensar. Assim como todos os aparelhos ocupados por especializações legitimadas em universidades, uma barragem social histórica, a crítica musical, e o jornalismo como um todo, sofre de exclusivismos e monopólios estéticos por não ter representantes socialmente originários abaixo da linha econômica e racial da classe que consegue se diplomar. “A crítica demorou anos para reconhecer o Roberto compositor”, diz Nelson Motta. “Isso até que ele acumulou mais standard do que Chico, Gil, Caetano e Milton Nascimento juntos. Ignorá-lo ficou impossível.”

A VISÃO DA CRÍTICA DIANTE DE ROBERTO

Livro mostra que discussão do que é brega ou não pode ter impedido análise mais profunda de sua obra

“Fui o alvo perfeito, muitas vezes no peito atingido.” Embora seja mais uma canção de amor da dupla Roberto e Erasmo Carlos, os versos de Fera Ferida, lançada em 1982, podem ser tomados emprestados para definir a discussão proposta pelo livro Querem Acabar Comigo – Da Jovem Guarda ao Trono, a Trajetória de Roberto Carlos na Visão da Crítica Musical, de Tito Guedes.

Como o título indica, o autor, de 24 anos, repassa a obra do cantor e compositor por meio dos textos escritos por críticos entre as décadas de 1960 até o ano de 2018, quando Roberto lançou seu último álbum – Amor Sin Limite, cantado em espanhol. Eles nem sempre foram generosos com a obra do rei. Pelo contrário. “Debiloide”, “compositor de música de fotonovela”, “acomodado”, “repetitivo” e “apelativo” foram alguns adjetivos usados na fase da Jovem Guarda e quando ele e Erasmo se dedicaram à temática erótica de músicas como Cavalgada Os Seus Botões. Em outras ocasiões, redimiram o cantor com as elogiosas qualificações de “rei”, “genial” e “decifrador do inconsciente coletivo”. Enquanto isso, Roberto vendia milhões de cópias.

Guedes não julga a opinião dos críticos, mas indica como eles podem ter sido implacáveis com Roberto ao jogá-lo na velha discussão sobre o que é brega ou de bom gosto. Para eles, Roberto esteve sempre nesse limite. Gravações de Elis Regina, Gal Costa, Maria Bethânia e Nara Leão para suas canções eram chanceladas enquanto o disco que Waldick Soriano dedicou ao repertório do rei recebeu carimbo de cafona.

“O Roberto ocupa um lugar muito singular dentro da música brasileira. Ele não viveu nenhum momento de ostracismo. A relação da crítica com ele é mais específica ainda, pois revela discussões que extrapolam a música popular. Os textos mostram como a imprensa enxerga a cultura do País”, diz Guedes, que originalmente escreveu o trabalho para a conclusão do curso de Estudos de Mídia na Universidade Federal Fluminense (UFF), em 2019. Embora em alguns momentos não relacione a produção musical do artista com seus colegas da época, o livro levanta importantes discussões. Uma delas parte de uma afirmação do poeta Augusto de Campos, que aproxima Roberto da bossa nova de João Gilberto em contraponto à chamada MPB feita à época, na era pré-Tropicalismo – movimento que estendeu a mão ao cantor.

O pesquisador Paulo Cesar de Araújo, autor do proibido Roberto Carlos em Detalhes, prepara para o fim do primeiro semestre um novo livro. Roberto Carlos Outra Vez Volume 1 vai recontar os fatos entre os anos de 1941 e 1970, sempre partindo de uma das músicas que o rei gravou. Um segundo volume tem previsão de publicação para o fim do ano. Sobre as turbulências da época em que Roberto pediu a retirada da biografia Em Detalhes das lojas, Paulo diz: “Aquilo ficou totalmente no passado”. Outro perfil biográfico a ser lançado sobre o cantor é Roberto Carlos – Por Isso Essa Voz Tamanha, do jornalista Jotabê Medeiros. / Danilo Casaletti

 

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